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terça-feira, 16 de outubro de 2012

O Mistério do Autor e da Obra

Não generalizo, veja bem, mas muitos estudiosos da literatura esquecem ou ignoram que o autor seja humano, declarando que tudo trata-se de ficção ou biografia. A modernista Clarice Lispector em entrevistas dizia: "Narrar é narrar-se".
Se por um lado o autor de fato faz ficção, por outro desnuda-se de alma e cotidiano, deixando transparecer uma ou outra ideia do que poderia ser a realidade do mesmo. Já a grande maioria dos autores não falam, ou melhor, preferem usar a velha conhecida: " qualquer semelhança é mera coincidência".
Os críticos, os estudiosos da área devem ter a liberdade de fazer suas pesquisas de qualquer obra ou autor e ai entra explorar suposições, coletar dados, hipóteses até absurdas, tudo é válido no campo científico onde a premissa é o erro e o acerto, o erro e o acerto, certo?, mas é imprescindível que reflitam sob este aspecto do autor ainda ser "humano" e de ser muitas vezes seu próprio personagem. Não aceitar a ideia de que o autor narre sua própria vida, vez ou outra seus costumes e etc., é comprometer os avanços de estudos literários e, [poderia dizer o mesmo no campo das artes, diga-se mestres da pintura, mas ai é um outro departamento]  possivelmente não olhar para o autor como um "todo", fazê-lo fragmentado ou ainda prendê-lo em departamentos, ou seja, o autor pode deixar de existir e restar a obra ou o contrário, matamos a obra e falamos somente do autor.
Sem dúvida o ser humano é dual, é como o sol e a lua, ora tem seu lado obscuro [dark side of the moonPink Floyd que o diga!], ora é luminoso e mostra-se em sua totalidade.
Lembremos a vida de Gustave Flaubert e sua Madame Bovary, a Ema, protagonista que causou escândalo e custou processo judicial ao autor porque atacava a moral burguesa da época, e logo para a defesa do autor/réu, Flaubert usou a morte de Ema como recurso em sua própria defesa. E nos seus discursos dizia a máxima: "Ema sou eu", reforçando assim a ideia do autor/personagem.
"Há muitos mistérios entre o céu e a terra do que diz nossa vã  filosofia", disse o sábio dramaturgo inglês William Shakespeare, inventor do humano. E é nessas palavras que se inspirou Clarice Lispector, peço desculpa ao leitor por usar tanto a Clarice, mas ela disse, desculpe ai também a rima, voltamos ao que disse Clarice, ops, o texto insiste! Vou direto, Lispector registrou: "Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento". Talvez por ser tão descomplicada Lispector era vista como inatingível e, aqueles olhos verdes marítimos assustavam ,é verdade, justamente em razão de muito silêncio e de sua incrível lucidez.
Diante do que foi exposto aqui creio que a possibilidade de ser autor, de ser humano retratado nas personagens é o que faz da escrita a grande arte. E fazer análises sobre a vida ou a obra de autores é mesclar a vida e a arte, pois é algo inconcebível de ser visto separadamente.



Sandra Puff

3 comentários:

  1. A obra é um retrato do seu autor, e como tal está sujeita às limitações inerentes a essa condição - incluindo aí o enquadramento, o obturador, o foco, a exposição, o tipo de filme, a luminosidade... e a multiplicidade de interpretações dos que a vêem.

    Abraços.

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  2. Verdade, Sandra.
    E é muito interessante quando lemos um texto novo pra nós e ficamos tentando adivinhar quem é o autor, por suas características próprias que vão sendo deixadas nas palavras e no estilo.
    Que bom ler você novamente.
    Um abraço.

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  3. Oi, Sandra! Estou lendo seu blog da frente pra trás. Já passei pelo poema e agora descobri que você voltou à teoria literária, também. Isso é ótimo. Bem-vinda de volta à blogosfera!

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