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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Síndrome de Münchhausen




Caros,
Vejo bastante documentários, uns muito bons, outros nem tanto assim, outros maravilhosos e outros estarrecedores, destes, um chamou-me muito a atenção, procurei, lógico, pesquisei sobre, até porque já havia ouvido falar sobre o Barão de Münchhausen na Literatura, de Rudolph Erich Raspe, 1758, como mais um personagem louco, imaginativo, etc, etc, e eis que me deparo com um caso alarmante que todos os anos faz centenas de vítmas e, geralmente, o agressor é a mãe. Fica difícil identificar esses casos, e isso é um trabalho árduo, levam meses, anos...Há a necessidade de Equipe Super Preparada, porém, a divulgação, o conhecimento, creio eu, começam a dar Voz aos que, literalmente, não as tem.
Este texto foi retirado do link abaixo, tal qual como apresento aqui, salvo, onde está escrito a palavra [retirado], o qual constava nomes de substâncias usadas, resolvi retirá-las.

http://www.condeca.sp.gov.br/eventos_re/ii_forum_paulista/c5.pdf


SINDROME DE MUNCHÄUSEN POR TRANSFÊNCIA




Antonio Carlos Alves Cardoso



CONCEITO
É conceituado como sendo a “fabricação” ou “produção” de sinais ou sintomas, pelos pais ou responsáveis,na criança.
O nome da síndrome é uma referência ao Barão Hieronymus Karl Freiher Von Munchäusen, oficial da cavalaria russa no século XVIII e, que costumava contar estórias elaboradas sobre as batalhas sempre com um tom bastante fantasioso e cheio de humor.
Asher, em 1951, percebeu que pacientes procuravam hospitais de Londres, apresentando fantasiosas histórias clínicas, inclusive simulando quadros agudos. O objetivo era estar em contato com o sistema de saúde local.
Meadow, em 1977, observou que alguns pais ou responsáveis adotavam a mesma postura, porém utilizavam crianças para obter o mesmo intuito.


MANIFESTAÇÃO
Esta síndrome pode manifestar-se por meio de 3 formas:
Mentira: o acompanhante relata que a criança apresentou convulsão, vômitos, febre, que não aceita determinado leite etc.
Simulação: este método implica em simulação de sintomas. Como exemplo o acompanhante relata que a criança apresenta vômitos ou urina com sangue (sangue este adicionado, e geralmente do próprio acompanhante).
É documentado que em aproximadamente 25% das ocorrências da síndrome há simulação.
Indução: o acompanhante induz uma doença. Como exemplo administra xarope de [retirado] para induzir vômitos, anticoagulantes, sedativos etc. Observa-se que em 50% dos casos há indução dos sintomas e,em 25%, coexistem simulação e indução.

DIAGNÓSTICO
O diagnóstico se baseia na anamnese, exame físico e exames laboratoriais. Normalmente é difícil de ser realizado, necessitando uma equipe experiente, composta de médicos, psicólogos e assistentes sociais, já que normalmente o agressor (geralmente a mãe) tem algum relacionamento com a área médica, sendo enfermeira em 35 a 40% dos casos, assistente social em 5%. Mesmo donas de casa, um terço delas tem algum conhecimento em biologia.
Freqüentemente os pais procuram o sistema de saúde com múltiplas queixas, embora já tenham sido avaliados por vários médicos. Na história há referências sobre falta de resposta aos vários tratamentos instituídos. Os sinais e sintomas podem persistir, mesmo com a criança internada, em 75 a 95% das vezes, já que os pais permanecem ao lado dela. Esses sinais e sintomas desaparecem ou melhoram quando os pais se mantêm afastados.
O tempo médio para a realização do diagnóstico é de 3 a 6 meses.
Situações sugestivas da síndrome:
Perplexidade de médicos experientes frente ao caso.
Sinais e sintomas persistentes e recorrentes.
Sinais e sintomas que não respondem à terapia.
Sinais e sintomas que nunca aparecem na presença de testemunhas.
Mães extremamente atenciosas.
Mães com conhecimentos da área de saúde.
Entusiasmo materno com novos exames de laboratório ou novos esquemas terapêuticos.
Testes laboratoriais sem alterações.
Desaparecimento dos sinais e sintomas quando o paciente é monitorado.


INCIDÊNCIA E PROGNÓSTICO
A incidência da síndrome é difícil avaliar devido a dificuldade do diagnóstico. Meninas e meninos sofrem esse tipo de agressão na mesma proporção. A idade dos casos descritos varia de 1 mês a 21 anos, com média de 3 a 4 anos.
As queixas referentes ao sistema nervoso central são mais comuns, responsáveis por 45% do total.
Incluem convulsões, apnéia e depressão.
Os sangramentos são também queixas comuns, sendo a hematúria a mais freqüente. Outras hemorragias podem servir de queixas: melena, hematêmese, diáteses hemorrágicas e sangramentos por outros orifícios. Os sangramentos podem ser simulados, com sangue da mãe ou de outra pessoa, ou com o uso de substâncias coloridas que aparentem sangue. Podem ainda ser induzidos por administração de anticoagulantes, como a [retirado].
As queixas gastrointestinais também são habituais e observadas em aproximadamente 10% dos casos. Os vômitos podem ser induzidos mecanicamente ou com o auxílio de drogas. Algumas vezes, os vômitos podem ter aspecto fecalóide, sugerindo obstrução intestinal. Tal situação é simulada com a adição de fezes ao material do vômito. As diarréias podem ser induzidas com a administração de [retirado].
As queixas de febre são referidas em 10% das ocorrências. A elevação da temperatura pode ser por aquecimento do termômetro ou por injeção de substâncias [retirado] no paciente.
Os rashs cutâneos, observados em 10% dos casos, podem ser induzidos pela aplicação de substâncias [retirado] e tinturas na pele ou, algumas vezes, por meio de escoriações.
Estima-se que 3 a 9% das febres de etiologia indeterminada são por esta síndrome, a qual também seria responsável por casos da Síndrome da Morte Súbita Infantil.
Nos EUA estima-se que 2,7/1000 RN monitorado por apnéia o são devido à síndrome e a mortalidade pode chegar a 9%.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. BERKOWITZ, C.D. Pediatric abuse. Emerg. Med. Clin. North Am., v.13, p.321-41, 1995.
2. MAcGUIRE, T.L.; FELDMAN, K.W. Psychologic morbidity of children subjected to Munchausen syndrome
by proxy. Pediatrics, v.83, p.289, 1989.
3. MEADOW, R. Munchausen syndrome by proxi. The hinterland of child abuse. Lancet, v.2, p.243-5,
1977.
4. ROSEMBERG, D. Web of deceit: A literature review of Munchausen syndrome by proxy. Child Abuse
Negl., v.11, p.547, 1987.
5. ZITELLI, B.J.; SELTMAN, M.F.; SHANNON, R.M. Munchausen’s syndrome by proxy and its professional
participants. Am. J. Dis. Child., v.141, p.1099, 1987.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Robert L. Stevenson - O Médico e o Monstro


Foto: Meu Acervo


É na Londres de 1886, que Robert Louis Balfour Stevenson1 escreve uma das mais populares novelas, conhecida com o título original The Strange Case Of Dr. Jekyll and Mr. Hyde, popularmente conhecida como O Médico e o Monstro, famosa narrativa sobre duplos. O tema já havia aparecido na literatura, mas é com Jekyll and Hyde que se aprofunda. O doutor Jekyll, homem elegante numa era vitoriana, rico, de ambições sociais, pessoais e científicas se depara com seu duplo à medida que tenta desenvolver um “pó” que pretende separar seu lado libidinoso, numa época em que a moral era muito rígida, e ter propensão ao prazer ou sensualidade parecia ser um terreno muito perigoso para a sua outra parte pisar, o médico virtuoso, de boa família, cientista, austero que reconhece apenas os pequenos prazeres de amizades masculinas de seu círculo social, uma pessoa tímida, recatada. Cada vez que tomava a poção Jekyll se desdobrava em outro, Mr. Hyde, conhecido pelos becos escuros e, por um pequeno reflexo de iluminação pelos empregados do Dr.Jekyll que o descrevem como um ser malformado, estranho, de olhar impiedoso e grotesco. O médico ao beber sua tão desconhecida fórmula adquire uma outra personalidade, cheio de si, ousado, violento, enganador e destemido de qualquer rótulo social. Seus prazeres se limitam ao sexo, violência desenfreada e nenhum senso moral. Ao passar os sintomas e recobrar sua verdadeira identidade o médico se defronta com variadas situações que, quase põe em xeque sua índole. Por ser único herdeiro de uma família abastada o médico vai creditando cheques às pessoas que por algum motivo foram molestadas, violentadas até que seu duplo começa a ganhar força e fazer cada vez mais perversidades.
O mal é liberado, a conduta perdida e Jekyll cada vez mais se distanciam da pessoa tímida, desejosa de prazeres que somente Mr. Hyde pode oferecer através de sua poção, ou libertado, sua dupla personalidade. Hyde chega a ser repugnante em vários sentidos, até mesmo em seu nome proveniente do inglês assume outra condição em sonoridade, [hidden] – escondido, oculto, ou seja, a outra personalidade embutida à do médico, que genialmente o autor pensa no desdobramento do nome próprio “Jekyll”, soa como [I kill] – eu mato.
Em analogia a Freud dizemos que há um conflito entre o id, como Hyde e o superego de Jekyll, e entre estes, o ego, um estreitamento de Jekyll que se reduz a um limítrofe ínfimo.
De todo há uma enorme necessidade de fazer concessões ao mal, porém é um caminho perigoso e contrário aos pensamentos do médico, não pode ser revertido. O mal adquire forças, ganha terreno, a cada instante se torna o duplo o mais poderoso, aniquilador, usurpador da identidade do doutor Jekyll. E a cada dia que passa Hyde se torna vigoroso, e Jekyll condenado a sua pálida imagem degenerada pela sua bipartição moral. O médico liberou a força em seu estado mais bruto que abrigava em si, porém, não separado. E porque se tornou forte e ciente de sua condição, Hyde chega ao ponto de modificar a fórmula feita por seu refém, agora, o doutor Jekyll. Não podemos deixar de fazer algumas considerações. O doutor Jekyll vê em Hyde sua fissura na alma, um grande avanço na medicina e na cura para seu próprio adoecer. O médico, em princípio, realizou seus desejos mundanos, incapazes em seu estado antes do pó. Havia uma certa realização pessoal nisso tudo, algo que jamais foi capaz de fazer enquanto o honrado médico.
O outro como segunda personalidade, o Dr.Henry Jekyll ciente da dualidade de sua própria natureza, em que coexistiam o bem e o mal, fascinado pela ideia das vantagens que teria, caso estas duas personalidades pudessem aparecer distintamente sob o uso da fórmula cria para si uma personalidade à parte, portadora de todos os seus maus instintos. E sobre a poção ou fórmula, uma vez que Stevenson não nomeia componentes na narrativa, Dr. Henry Jekyll relata: “Eu sabia, desde o primeiro instante da existência dessa nova vida, que eu era mais perverso, dez vezes mais perverso, um escravo de minha maldade original. Essa poção, naquele momento, me animou e agradou como se fosse vinho”.2 É fato, que na época em que o romance foi escrito já havia uma grande preocupação com o uso de drogas, hoje, consideradas ilícitas. Assim como Jekyll se torna um dependente da poção fez-se um paralelo assustador com os viciados em ópio e derivados. Tudo na narrativa de Stevenson é duplo, até mesmo a preocupação entre a mente o e corpo, O Médico e o Monstro é um avant garde ao se tratar das pesquisas científicas que começavam a ser feitas na sondagem da mente humana. Foi até mesmo uma antecipação aos estudos da análise dos impulsos inconscientes feitos por Freud
Stevenson* escreveu essa novela, literalmente, sob o aspecto do duplo, construiu as personagens seguindo uma linha de raciocínio dual, tomou como exemplo seu pai, Thomas, para ser o Dr. Henry Jekyll, homem honrado e a ele próprio, como filho rebelde e conturbado a nomear Mr. Hyde.
Tusitala”, o contador de histórias, como era chamado pelos primitivos de Samoa, um dos arquipélagos do Pacífico Sul, onde veio a morar fugindo do clima frio que afetava seus pulmões, tuberculose, porém morre precocemente de um acidente cerebral. Era fascinado por um senhor chamado Deacon Brodie, que durante o dia era um exímio trabalhador, marceneiro e a noite, um ladrão, o escritor percebeu essa dualidade no homem, que não bastasse a fascinação, Stevenson comprou um armário feito por Brodie.[olha ai a observação cirúrgica do autor nas pessoas do dia a dia, até para compor uma personagem ou então por puro gosto pessoal, um acolhimento de alguma característica para si, no caso, um mobiliário feito por uma pessoa de índole duvidosa, mas que para Stevenson tinha um certo valor].

Tusitala  em Samoa onde passou a morar.
No decorrer da narrativa todo um dualismo construído dentro do cenário velho em contraste com o novo, ao contrariar a moral de seus pais, o jovem Stevenson frequenta a noite na antiga cidade velha e decadente de Edimburgo, onde nasceu, e muitas vezes como Jekyll, adotava uma identidade falsa, ou um pseudônimo, ou até mesmo as máscaras simbólicas do encobrimento identitário, e circulava por esse mundo mal-afamado. Por outro lado, foi na cidade nova que Stevenson cresceu, e a diferença entre as duas cidades, evocou, no escritor a ideia de divisão entre o mundo de Jekyll e Hyde.
Há todo um contexto dualístico em O Médico e o Monstro, o bem x mal; ciência x dogmas; razão x emoção; cura x doença; matéria x psique; criador x criatura; sistema figurativo: Dr. Jekyll, hipócrita e libertador do monstro x Mr. Hyde, é a própria essência da crueldade, do mal e do egoísmo.
É nesse contexto dual que encontramos a divindade de Jano: um deus de duas caras. Relata Dr. Henry Jekyll:
O estudo a que dediquei minha vida, me fez concluir que o homem é duplo. Ele traz em si, ao mesmo tempo, o gosto de fazer o bem e o prazer de fazer o mal. Eu vejo em mim a inclinação para apiedar-me dos outros e para querer aliviar suas desgraças, mas observei também que às vezes eu aprecio o sofrimento que os aflige. Somos como aquelas máscaras de Jano, que mostram um rosto angelical de um lado, e outro, demoníaco, atrás. O diabo se irrita com o anjo, e o anjo tem vergonha do diabo, e nossa pobre alma é puxada de um lado para outro. O flagelo da humanidade está no fato de que esses dois antagonistas estão ligados um ao outro como irmãos siameses! Essa reflexão orientou toda a minha pesquisa científica. Para aliviar nossa alma, pensava comigo mesmo, não se poderia dividir nossa personalidade em duas? De um lado, nossa consciência inclinada a fazer o mal a ele se entregaria sem o menor escrúpulo; de outro, nossa consciência dedicada a fazer o bem só com este se ocuparia. A pessoa má em nós não nos trataria remorsos; a pessoa boa não encontraria obstáculos em seu caminho para a perfeição. Cada um desses dois seres poderia seguir o seu caminho, livre e desimpedido. Mas como dissociar um do outro? Minhas experiências em laboratório me mostravam que o corpo não passa de uma emanação física dos poderes de nossa alma.3

Com a descoberta da poção, Jekyll se submete à experiência, após vários processos de intensos sofrimentos físicos, Jekyll sente-se bem. O alívio da dor, o mascaramento do sofrimento e enfim, o êxtase como o de um adicto4 na hora do rush5 em busca de seu milagre momentâneo. Henry passa por uma metamorfose e observa-se em frente ao seu denunciador, sua testemunha, o espelho, até então Jekyll nunca teve um espelho em seu laboratório. Foi trazido, unicamente, como o objetivo de mirar-se enquanto acontecia sua transformação, vejamos:
Percebi então que me embaraçava com as minhas roupas e, indo até o espelho, vi refletido o meu duplo mau: eu o batizei de Edward Hyde. Se ele era franzino e muito mais jovem do que o Dr. Jekyll, era porque meus poderes no mal eram poucos desenvolvidos; até aquele dia, eles tinham sido reprimidos. Isso refletia em sua forma física, carnal. [...] E foi assim que adquiri o hábito de me libertar, em algumas noites, de toda restrição moral, na pele de Edward Hyde. [...] Assim de tanto libertar sua monstruosa personalidade, Hyde ia ficando mais forte em mim. Era preciso, na manhã seguinte a essas noitadas, aumentar as doses que me faziam voltar à minha primeira identidade.6

Todas as tentativas de desistir de Hyde foram em vão, era como se o médico precisasse de sua outra personalidade, a segunda, como dizia ele, embora, e necessário fosse, certamente, acabaria com aquele sinistro vício no momento que quisesse, mas, no entanto, era preciso continuar a levar a vida daquele jeito que Edward Hyde o satisfazia. Jekyll deu plenos poderes ao seu duplo e não encontrou o caminho de volta. Todo momento que se faz concessões ao duplo vê-se que aos poucos, nesse caso, se tornou um usurpador da primeira identidade. Hyde se solidifica e Jekyll um mero refém de um duplo que vive e age em Jekyll da forma que bem entende e por se sentir tão bem em seu duplo. Dr. Jekyll protege Hyde, pois está a proteger seu corpo, sua aparência. Após tantos momentos de usurpação de identidade o Dr. Henry Jekyll chega a uma conclusão: “eu era o médico e o monstro. [...] eu e meu duplo”7. Após presenciar que Hyde já havia tomado conta de tudo, nova poção fora criada, modificada, não havia mais retorno do médico dedicado, recluso e sim um corpo que desfalecia a cada dia Jekyll opta por matar seu duplo, porém este ato lhe custaria sua vida. A apropriação indevida de uma segunda personalidade que habitara, agora e quanto o quisesse, seu corpo e espírito o levaram a escolher a morte pelo fato de estar cansado, com o corpo moído cada vez que retornava a ser Jekyll, porém uma pincelada de narcisismo floreia o quadro mortuário do médico. Já se tornara insuportável ver-se ao espelho, seu corpo desgastado por tantas doses da poção, outras mais para desfazer a segunda personalidade, havia tornado um ciclo vicioso que o médico em um lampejo de punição decide o fim dos dois. “Termino meu relato sob a influência dos restos do pó. Este é, portanto, a última vez que Henry Jekyll pode pensar seus próprios pensamentos ou ver seu próprio rosto no espelho”.8


Sandra Puff
*Stevenson junto com Edgar Allan Poe, meus autores preferidos.

REFERÊNCIAS
1 STEVENSON, Robert Louis. O médico e o monstro. Tradução de José Paulo Golob, Maria Angela Aguiar e Roberta Sartori . São Paulo: Ática, 2002.
2 SHELLEY, Mary; STOKER, Bram; STEVENSON, Robert Louis. Frankenstein, Drácula, O Médico e o Monstro. Tradução de Adriana Lisboa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 684.
3 STEVENSON, Robert Louis. O médico e o monstro. Op. cit., 2002, p.49-50.
4 Adicto: “Viciado”, comumente termo usado pela psicologia e psiquiatria aos usuários de drogas.
5 Rush: “Vontade, fissura” que o adicto sente pela droga.
6 STEVENSON, Robert Louis. O médico e o monstro. Ibid., 2002, p. 50.
7 STEVENSON, Robert Louis. O médico e o monstro. Ibid., 2002, p. 55.
8 STEVENSON, Robert Louis. O médico e o monstro. Ibid., 2002, p. 59.


segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Revolutionary Road - Foi Apenas um Sonho


Ontem mesmo eu passava os olhos em uma revista e chamou-me atenção uma entrevista perguntando o que era ser “normal”, realmente eu não sei até onde vai a normalidade, o melhor seria perguntar onde começa a “anormalidade”, enquanto a ciência ferve e mexe um frasco de erlenmeyer surgem “novos” conceitos que já eram velhos, então o negócio começa a esquentar e muitos cientistas queimam os dedos e as revistas científicas começam a lançar tudo quanto é artigo científico. É o tal negócio, dos erros e acertos, erros e acertos e isso me fez divagar sobre um filme que vi faz um tempinho, mas não custa registrar e, também, porque no elenco está minha diva [sem que outra a ultrapasse] como protagonista.

Frascos de Erlenmeyer

Na década de 50, se o sujeito sofresse de “depressão” – chamaremos assim, era o mesmo que ser rotulado de louco. O mais intrigante é que a medicina psiquiatra ainda não diferenciava as várias doenças mentais, não havia uma nomenclatura para os diversos distúrbios da mente e o paciente em geral era “retirado de cena”, não como uma forma de tratamento e sim como um "jeito" de proteger a sociedade deste doente.1
Nessa mesma década houve o retorno da ideia do american way of life, o qual já havia sido explorado décadas antes. Infelizmente muitas coisas estavam fora do lugar na sociedade e, dessa forma, era transferido às pessoas que o jeito americano de viver era o mais importante, infalível, era isso que queriam mostrar, vender, mas não era bem assim. Havia um desconforto entre os indivíduos, uma desilusão que alguns não conseguiam superar.
Esse exemplo do modus vivendus americano foi mostrado no filme Revolutionary Road2, do diretor Sam Mendes, com Kate Winslet e Leonardo DiCaprio como protagonistas. Se formos desdobrar o título do filme chegamos ao "xis" da questão. O casal mora na rua da “revolução”, bem sugestivo, mas que revolução é essa?


A narrativa começa com um encontro entre as personagens de Kate Winslet e Leonardo DiCaprio, ambos sonham, tem perspectivas para o futuro. Logo se casam, chegam os filhos, em uma época onde a pílula anticoncepcional ainda não existia. A personagem de Kate sonha em ir para Paris, pois só ela sabe que seus sonhos foram por água abaixo nessa relação hipocritamente estável e com um filho atrás do outro e, por esse motivo ela sente as dores da alma, [ainda não classificadas as doenças mentais]. O marido não percebe que sua esposa está à beira de um precipício e a saída, não entende ele, é fazer essa viagem, mudar de ares.

Quando chegam a um acordo, compram passagens, fazem planos, avisam os vizinhos e amigos sobre o novo destino, o que para os mesmos parece ser uma loucura, pois este é o modo de vida americano, trocar para quê? Kate encontra-se grávida por mais uma vez e o marido decide cancelar a viagem e se conformar com a posição em que estão, ou seja, entram na fôrma estabelecida por aquela sociedade, ou seja, se conformam, viram moldes de docinhos, uns iguais aos outros, [produtinhos em séries].
A vizinha bisbilhoteira tem um filho e vê em Kate a única pessoa que poderia conversar com o mesmo, um PhD em Matemática, que por algum motivo está com problemas mentais, sendo tratado com eletrochoques num hospício. O casal aceita a visita do matemático, que em certa altura do filme convida-os para uma caminhada. No passeio ele percebe que Kate parece não fazer parte daquele local, e discretamente conta como é seu tratamento na clínica. E então, num fio de esperança pra SI, que ela, ao achar que pode se curar de sua aflição, pergunta ao matemático como ele se sente, pois aparenta estar muito bem. E ele responde que está bem, mas que os números foram todos embora de sua cabeça por causa dos eletrochoques e sente-se muito distante de sua realidade pré-clínica. E surge um silêncio entre todos. Daí pra frente, segue o filme, há vários momentos, várias perspectivas e nuances.

E a revolução? Espero que esteja na ótica de cada um ao ver sutilezas em cores profundas!


Sandra Puff



REFERÊNCIAS
1Transtornos mentais que mais tarde foram nomeados como “doença maníaco-depressiva, depressão, transtornos ciclotímico de humor, transtorno unipolar ou bipolar e em último grau a esquizofrenia estavam todos ligados à ideia da loucura, os pacientes eram restritamente negligenciados pela sociedade naquele tempo, hoje, paradoxalmente, esses transtornos, de tão comuns e populares são banalizados em geral. UMPIERRE, Vera M, Psicopatologia. Disciplina Ministrada. Curso de Psicologia. Puff, Sandra. FURB. 2008.
2 REVOLUTIONARY ROAD. Direção de Sam Mendes. 2008. No Brasil: Foi Apenas um Sonho. 2009.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Dopplengänger - O Duplo


René François Ghislain Magritte
A Portrait of Edward James - 1937
O Movimento Romântico, principalmente, alemão consagra o duplo na literatura, ou seja, o tema atinge seu apogeu. Em 1796, Jean Paul Richter firma o termo como Doppelgänger que se define por duplo, segundo eu. A tradução literal de Doppelgänger significa aquele que caminha do lado ou companheiro de estrada, “assim designamos as pessoas que se veem a si mesmas”1

Assim que o denominaram Doppelgänger, ou seja, fusão de duas palavras alemãs: doppel, que designa duplo, a réplica, a duplicata e ganger, aquele que vaga, um ambulante, andante. Em algumas lendas germânicas é algo fantástico que tem a capacidade de se mostrar como idêntico de alguém, seja externo ou internamente. E passa a ser o viajante, aquele que ele escolhe e passa a acompanhar.

Há os que especulam que seria o conselheiro in [visível], pois muitos o veem e outros não.
Para a ciência o fenômeno doppelgänger pode ser uma deficiência cerebral nas partes temporal e parietal, seria exatamente onde as sensações sinestésicas e motoras atuam no cérebro e que deveriam estar em equilíbrio, do contrário causa má percepção inconsciente corporal, seja espacial e sinestésica. O sujeito não tem compreensão do corpo e a sensação é autoscópica2 ou extracorporal, explica-se ai quem vê seu companheiro viajante, o doppelgänger.

Muitos estudos foram feitos sobre o tema do duplo, muitos realizados sob o prisma psicológico e dentro da psicanálise. Otto Rank, por exemplo, interessou-se sobre o duplo na literatura e o estudo das personalidades dos autores sob aspectos mitológicos.

Outro estudioso do assunto é Keppler que, exclusivamente, dedica-se ao duplo também na literatura com ênfase à literatura anglo-saxônia e segundo Keppler: "O duplo é ao mesmo tempo idêntico ao original e diferente – até mesmo o oposto – dele. É sempre uma figura fascinante para aquele que ele duplica, em virtude do paradoxo que representa (ele é ao mesmo tempo interior e exterior, está aqui e lá, é oposto e complementar), e provoca no original reações emocionais extremas (atração/repulsa). De um e outro lado do desdobramento a relação existe numa tensão dinâmica. O encontro ocorre num momento de vulnerabilidade do eu original."3

René Magritte
O Duplo Secreto - 1927
Mesmo que o duplo encontre sua apoteose no movimento romântico, e quer venha de um passado remoto o tema ainda é explorado no século XX. Podemos encontrar o duplo em diferentes campos: mitologia, história, filosofia, artes plásticas, literatura, antropologia, sociologia, medicina e psicanálise. O duplo é um caleidoscópio, ou seja, o desdobramento de vários momentos, conceitos e análises. Para o filósofo Rosset: "O tema do duplo é, em geral, associado principalmente aos fenômenos de desdobramento de personalidade (esquizofrênica ou paranoica) e à literatura, particularmente romântica, onde se encontram múltiplos ecos seus: como se este tema dissesse respeito essencialmente aos confins da normalidade psicológica e, no plano literário, a um certo período romântico e moderno. Não é assim, o tema do duplo está presente em espaço cultural infinitamente mais vasto, isto é, no espaço de toda ilusão: já presente, por exemplo, na ilusão oracular ligada à tragédia grega e aos seus derivados (duplicação do acontecimento), ou na ilusão metafísica inerente às filosofias de inspiração idealista (duplicação do real em geral: o ‘o outro mundo’)"4

O termo ilusão reflete o mito do duplo em magia, ou mágica, ou seja, a transformação de um ser/objeto em dois ou o [des] aparecimento destes ou até mesmo o deslocamento e duplicação.
Essa duplicação faz parte de um conjunto complexo, ou seja, é considerado fenômeno nomeado de desdobramento de personalidade, o qual originaram muitas obras literárias e críticas e estudos de ordem filosófica, psicológica e, até mesmo, psicopatológica, ou seja, dentro das psicopatologias, a esquizofrenia5 é um desdobramento de personalidade de índice mais grave da demência.

Onde autores, conturbados em vida, transpassavam para suas narrativas as demências de suas personagens, alucinações, medos, sofrimento em detrimento desses transtornos. Decorrem exemplos como forma de explanação dos temas em nosso estudo, uma vez que autores como E.T.A. Hoffmann, Jean Paul, Maupassant, Hans C. Andersen, Edgar Allan Poe, Robert Louis Stevenson, Oscar Wilde, Dostoievsky, de alguma forma, apresentam em suas narrativas personagens com desordens mentais, principalmente com dupla personalidade e Hoffmann foi um dos autores que mais explorou o assunto, pois como afirma Rank6 “Em quase todas as obras do romancista alemão E.T.A. Hoffmann, que é, sem dúvida, o maior conhecedor do problema da dupla personalidade, tão divulgados na poesia e ficção românticas”.

Ao nos referirmos à dupla personalidade, que é um desdobramento do duplo, lembramos que o mesmo desdobra-se nas personagens sob várias formas. Hoffmann aborda os gêmeos, sósias, usurpadores; Andersen, a sombra; Poe, gêmeos, sósias, perseguidores; Stevenson, na cinzenta Londres, defronta-nos com o usurpador de seu EU, também se vale dos objetos espelho e máscara no sentido conotativo; Dostoiévski, sósia, gêmeos; Pirandello, gêmeos; Hesse, Cortazar e Kafka, o espelho, ou seja, a imagem e o reflexo metamorfoseados em animais [lobo, mutações]; Gogol, parte do corpo; e outros como o pseudônimo, espelho [imagem e reflexo], sombra.

É preciso esclarecer que o duplo se cruza com a metamorfose, ou seja, são distintos, mas intrínsecos. Bravo esclarece que: "O tema da metamorfose e sua relação com o animal cruza-se aqui com o mito do duplo. O homem traz em si seu animal. Ele aparece facilmente no século XX como um mutante que se torna prisioneiro de um outro corpo, ou mesmo se transforma numa parte de corpo, sem degradação do que constitui a característica própria do homem: o pensamento."7

Keppler identificou modalidades para o duplo: o perseguidor, o gêmeo, o (a) bem-amado (a), o tentador, a visão do horror, o salvador, o duplo no tempo. Podemos perceber que se trata de um universo subjetivo. A pergunta que não cansaríamos de responder seria: Quantos lados têm um duplo? Dois. A princípio o externo e interno. O corpo e a alma. O positivo e o negativo. E muito mais, ou seja, o duplo se duplica. Segundo Bravo, “O Mundo é uma duplicata: tudo não passa de aparência, a verdadeira realidade está fora, noutro lugar; tudo o que parece ser objetivo é na verdade subjetivo, o mundo não é senão o produto do espírito que dialoga consigo próprio”8.

Todorov conceitua que: "A manifestação do duplo revela uma existência plural de personalidades, de um eu que se desdobra em outro: a multiplicidade da personalidade, tomada ao pé da letra, é uma consequência imediata da passagem possível entre matéria e espírito: somos muitas pessoas mentalmente, em que nos transformamos fisicamente."9

A isso se soma o que Pierre Brunel denomina: “o duplo é o alter ego”.10 E para Homero: "Habita no homem como um hóspede estranho, um Débil duplo (sua outra Personalidade sob a forma de sua psique) cujo reino é o país dos sonhos. Quando a personalidade consciente adormece, o Duplo trabalha e vela. Tal imagem, refletindo a Personagem visível e constituindo a segunda Personalidade."11

Reconhecer a existência de um duplo, já não é mais  uma igualdade de resultado, e sim um ponto de partida para um novo recomeço. Esse conhecimento, ou manifestação de desdobramento do duplo passa a ser uma experiência de confronto com o duplo que passa a exprimir um estágio de loucura ou então, que cada indivíduo que se confronta ao seu duplo encontra outras vidas que se estabelecem em cada ser. Dessa forma, a literatura tem essa habilidade ou vocação para revelar em cena o duplo, que por princípio tende a invalidar a identidade, ou seja, tudo que é uno é também um múltiplo. Por essa manifestação livre poética é que o duplo, através de escritores, clássicos ou contemporâneos passam a liberar seus herois, que, em sua maioria são duplos desses mesmos escritores, em particularidade aprisionados em um EU uno, fixos como se fosse um molde de personalidade. “A cada nova transformação ele é ele próprio e mais um outro, experimentando as virtualidades que mais lhe fazem falta – uma representação do escritor em sua relação com os personagens, ao mesmo tempo semelhantes a ele e diferentes”.12


Sandra Puff



REFERÊNCIAS
1 RICHTER apud BRAVO, Nicole Fernandez. Duplo. In: BRUNEL, Pierre. Dicionário de mitos literários. Op. cit., 2000, p. 261.
2 Féré (1891) aplica a designação de "autoscopia" à experiência de um médico gravemente enfermo que acreditava ver sua própria imagem como em um espelho. Menninger-Lerchenthal (1935) recusa esta designação, cuja significação etimológica estrita corresponde ao ato de "olhar-se a si mesmo", e a significação clínica, ao ato de "examinar os próprios órgãos". Sollier (1903) distingue nas experiências pessoais de duplicação: a duplicação da pessoa física, a duplicação da pessoa intelectual e a duplicação da pessoa moral. E chama "autoscopia" ou "alucinação autoscópica" à duplicação sensorial. REDE PSI. Disponível em: <http://www.redepsi.com.br/portal/ modules/smartsection/item.php?itemid=992>. Acesso em: 02 fev. 2009.
3 KEPPLER apud BRAVO, Nicole Fernandez. Duplo. In: BRUNEL, Pierre. Dicionário de mitos literários. Op. cit., 2000, p. 263.
4 ROSSET, Clément. O real e seu duplo. Op. cit., 1976, p. 19.
5 A etimologia da palavra esquizofrenia vem de Esquizo = cisão e Frenia = personalidade. Esquizofrenia é a dupla personalidade ou personalidade múltipla. Esquizofrenia. Disponível em: <http://www. psicomix.kit. net/psicsaude.htm>. Acesso em: 14 set. 2008.
6 RANK, Otto. O duplo. Op. cit., 1939, p. 19.
7 BRAVO, Nicole Fernandez. Duplo. In: BRUNEL, Pierre. Dicionário de mitos literários. Op. cit., 2000, p. 281.
8 BRAVO, Nicole Fernandez. Duplo. In: BRUNEL, Pierre. Dicionário de mitos literários. Op. cit., 2000, p. 270.
9 TODOROV, Tzvetan. O homem desenraizado. Op. cit., 1992, p. 124
10 BRUNEL, Pierre. (org). Dicionário dos mitos literários. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000, p. 261
11 HOMERO apud RANK, Otto. O duplo. Op. cit., 1939, p. 97.
12 BRAVO, Nicole Fernandez. Duplo. In: BRUNEL, Pierre. Dicionário de mitos literários. Op. cit., 2000, p. 282.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Cruz e Sousa - Análise de Poema


Foto: Meu Acervo

Ao ver no Blog Sete Ramos de Oliveira 3 Posts sobre métrica, verso e estrofação, resolvi contribuir com uma análise do Poema de Cruz e Sousa usando também os elementos da Versificação, ou seja, verso, metro, ritmo, encadeamento, rima, estrofe e a forma fixa. Olhar para um Poema e sentir a Poesia vai muito além de um sentimento. Há muitos métodos intrínsecos que os Poetas usavam e/ou usam para construir belos versos e formar um Todo chamado Poema. Vejamos Cruz e Sousa:

Música Misteriosa



  1. Tem / da / de Es / tre / las/ ní / veas, / re / ful / gen / tes,(A)
  2. Que a / bris / a / do / ce / luz / de a / lam / pa / dá / rios, (B)
  3. As / har / mo / ni / as / dos / Es / tra / di / vá / rios             (B)
  4. Er / ram / da / Lu / a / nos / cla/ rões / dor / men / tes      (A)

  1. Pe / los / ra / ios/ flu / í / di / cos, / di / luen / tes                  (A)
  2. Dos / As / tros, / pe / los / trê / mu / los / ve / lá / rios,      (B)
  3. Can / tam / So / nhos / de / mís / ti / cos / tem / plá / rios,(B)
  4. De / er / mi / tões e / de as / ce / tas / re / ve / ren / tes... (A)
  1. Cân / ti / cos / va / gos , / in / fi / ni / tos, / aé / reos        (C)
  2. Flu / ir / pa / re / cem / dos / A / zuis / e / té/ reos,          (C)
  3. Den / tre os / ne / voei / ros / do / lu / ar / flu / in / do...(D)
  1. E / vai, / de Es / tre / la a Es / tre / la, à / luz / da / Lu / a,(E)
  2. Na / lác / tea / cla/ ri / da / de / que / flu / tu / a,                   (E)         
  3. A / sur / di / na / das / lá / gri / mas / su / bin / do...            (D)

O ano de 1893 marcou o início do Simbolismo no Brasil, e o que evidenciou este início foi a publicação de dois livros, Missal (prosa) e Broquéis (verso), sendo Cruz e Sousa o autor de ambos.
É do livro Broquéis o poema “Música Misteriosa”, escolhido para esta análise.
Cruz e Sousa marcou o Simbolismo pelo seu subjetivismo, “sugerindo” nos poemas toda a sua desilusão com a vida. O pessimismo transparece a dor existencial.
Com uma linguagem vaga e fluida, o poeta remete o leitor ao místico e à religiosidade, e retoma elementos de uma tradição romântica. Porém é comum o interesse de Cruz e Sousa por áreas profundas da mente, como o inconsciente e consciente. A presença do mistério, do noturno e da morte são constantes.
O poema Música Misteriosa é um soneto, ou seja, quatorze versos distribuídos em dois quartetos e dois tercetos.
Os versos são decassílabos, dez sílabas poéticas, ora são heroicos, acentuados na sexta e décima sílabas, exemplos na primeira estrofe o (v.1), na segunda estrofe, os versos (12, 13 e 14). Ora são sáficos, acentuados na quarta, oitava e décima sílabas, são exemplos na primeira estrofe os versos (2, 3 e 4 ), na segunda estrofe ( v. 8) e na terceira estrofe, ( v.10 e v.11 ).
As rimas finais, externas, em cada estrofe são: (ABBA), (ABBA), (CCD) e (EED). Sendo respectivamente interpoladas (ABBA), novamente interpoladas (ABBA), emparelhadas (CC/EE) e cruzadas (DxD ).
Os versos são graves, uma vez que são acentuados nas palavras paroxítonas. Apresenta sequência de rimas ricas, ou seja, classes gramaticais diferentes. Como exemplo nas terminações dos versos (2 e 3 ), “alampadários / Estradivários”. Nos versos (6 e 7 ), “velários / templários”. Sendo estas rimas consoantes, ou seja, apresenta semelhança de consoantes e vogais.
Nos versos (12 e 13), “lua / flutua”, com exceção de ser rima consoante e sim tonante, uma vez que só apresenta semelhanças na vogal tônica.
Há existência de rima pobre, classes gramaticais iguais, esta é em número maior, exemplos na primeira estrofe, (v.1 e v.4), na segunda, (v.5 e v.8), na terceira (v.9, v.10 e v.11) e na quarta estrofe no (v.14).
Há sugestão no poema de mistério e de harmonia da música. Descreve uma viagem aos astros, ao som misterioso que emanam os violinos, “As harmonias dos Estradivários” (v.3) / “Eram da Lua nos clarões dormentes...” (v.4) / (...) / “Dos Astros, pelos trêmulos velários” (v.6) / “Cantam Sonhos de místicos templários”, (v.7).
Tratando em nível lexical, o vocabulário do poema apresenta nível culto, sendo compreensível. Além de apresentar alguns verbos no presente. “Erram (v.4) / Cantam (v.7) / Fluir (v.10) / Parecem (v.10) / vai (v.12) / e Flutua” (v.13), alguns estão no gerúndio, “fluindo (v.11) e subindo (v.14), dando ideia de continuidade da ação.
Alguns substantivos aparecem sob a forma de maiúsculas para dar valor absoluto aos termos, são eles: “Estrela (v.1 e 12) / Estradivários (v.3) / Lua (v.12 e 14) / Astros (v.6) e Sonhos” (v.7).
O poeta faz sua morada no espaço entre os astros e nebulosas. Faz alusão permanente entre o claro e o escuro. Entre sonhos e delírios. Estas sugestões de antíteses mostram que o poeta se debate entre ser negro e querer ser branco. “Estradivários”, ou violino é a forma velada de ser da cor do ébano em contraposto, que espiritualmente é da cor da “Lua”.
A descrição de Cruz e Sousa é onírica, representa a imaginação ou o seu mundo dos sonhos. São desejos contidos que através dos sonhos transpassam um limite imposto por ele mesmo. O sonho é a liberdade em sua totalidade. É a fluidez ou a manifestação do desejo da alma em transcender.
Outra característica do Cisne Negro é o uso constante de adjetivos ou adjetivação dos termos para caracterizar ou atribuir conceitos e qualidades ou dar maior expressão aos sentimentos. Alguns exemplos: “refulgentes (v.1) / alampadários (v.2) / dormentes (v.4) / diluentes (v.5) / velários (v.6) / reverentes (v.8) / aéreos (v.9) / etéreos” (v.10)
Os adjetivos deste poema reforçam características simbolistas. Estas palavras povoam ambientes de alucinações e manifestam a sensibilidade e o psicológico.
O ar é nebuloso, seres etéreos habitam as camadas obscuras e profundas da mente. É o desejo do vago, do espaço e da dormência. Dentro de uma cosmovisão, o poeta visiona os estranhos materiais da atmosfera. É enebriado pelo éter que atravessa a moral, o secreto e o subterrâneo da alma. Assim livre e diluído no espaço os sonhos e as fantasias dão vasão ao esquecimento da dor da existência.
O Dante Negro tinha verdadeira obsessão pela cor branca ou tudo que remetesse a essa cor e aos brilhos. Em Música Misteriosa há palavras de forte conotação com a cor branca como “níveas (v.1) / lácteo” (v.13), e palavras em alusão aos brilhos como “luz (v.2 e v.12) / clarões (v.4) / raios (v.5) / luar (v.11) / claridade (v.13) / astros (v.6) e estrelas” (v.1 e 12), essas palavras evidenciam resultado de um estado da alma, sendo que o poeta traduz ou esgota em todas as possibilidades a cor branca, esta é fortemente associada à ausência de cor. Esse fascínio ou paradoxo é a dor de não aceitar sua cor. O drama inicial de toda a problemática do poeta.
O paradoxo em Cruz e Sousa é que, sendo negro, ele foi ocultar suas origens em uma escola que se traduz num véu branco sugestivo. Se não pode elevar-se pela cor, ele próprio diminuindo-a elevou-se em espírito.
O branco ilustra os versos, dá claridade aos tons sombrios que o poeta desenha. Neste jogo de luz e sombra é que aparece o brilho caleidoscópico intenso pulverizado das estrelas, da lua e dos astros.
A luminosidade cromática é feita de tons alvos e traduz o sentimento ou a sensibilidade do poeta pelos matizes da esfera transcendental. Seu impressionismo resgata as cores e nuances deste universo.
Em nível sintático o poema nos dá a impressão que tudo está acontecendo, em que tudo ao presente pertence, uma vez que em nível lexical mostra os verbos no presente e gerúndio.
A utilização da técnica do encadeamento ou “Enjambement”, ou seja, quando o sentido da frase se interrompe no verso e completa o sentido no verso seguinte se verifica nas seguintes estrofes. Na primeira estrofe, “Tenda de Estrelas níveas, refulgentes” (v.1) / “Que abris a doce luz de alampadários”. (v.2) e “As harmonias dos Estradivários” (v.3) / “Erram da Lua nos clarões dormentes...” (v.4). E na segunda estrofe é exemplo, “Cantam Sonhos de místicos templários”, (v.7) / “De ermitões e de ascetas reverentes”. (v.8)
Ao final de alguns versos há o aparecimento de reticências, “(v.4) / (v.8) / (v.11 e v.14)”, sugerindo a omissão de um ou mais termos, ou algo que poderia ser dito. Fica a impressão da linguagem vaga e fluida remetendo o leitor ao cosmo, dispersando-o na fantasia das palavras, aquele misterioso sopro que vai, num universo, em atmosferas visionárias.
Já em nível semântico algumas palavras nos versos como exemplo: “doce / luz / cantam / sonhos” mostram o uso de sinestesias, “Que a brisa doce luz de alampadários” (v.2) nos dá a sensação de tato, paladar e visão. E o verso “Cantam Sonhos de místicos templários” (v.7) deixa claro o uso da audição e visão.
A presença da metáfora é notada, “Tenda de Estrelas níveas, refulgentes” (v.1) e “As harmonias dos Estradivários” (v.3). Há o uso da metonímia, “As harmonias dos Estradivários” (v.3) e o hipérbato, “Fluir parecem dos Azuis etéreos” (v.10).
As figuras sonoras marcam em Música Misteriosa a forte característica da estética simbolista, a aliteração é uma delas, “PeloS raioS fluídicoS, diluenteS”. (v5). “DoS astroS, peloS TrêmuloS velárioS” (v.6). “CanTam SonhoS de míSTicoS TemplárioS” (v.7) e “CânTicoS vagoS, infiniToS, aéreoS” (v.9).
Observa-se também as assonâncias: “TendA de EstrelAs níveAs, refulgentes”(v.1), “E vAi, de EstrelA A EstrelA, A luz dA LuA”(v.12), “NA lÁcteA clAridAde que flutuA”(v.13) e “A surdinA dAs lÁgrimAs subindo”(v.14).
Para ser verificado a métrica do poema, ou para fazer a escansão é preciso dividi-lo em sílabas poéticas, e para isso é necessário utilizar alguns recursos como a sinalefa, elisão, crase, sinérise, diérise e outros. O poema Música Misteriosa conta com alguns desses recursos, no momento observa-se as sinalefas e crases.
No segundo verso aparece sinalefa na primeira e sétima sílabas, e no oitavo verso, na quinta sílaba. E a crase no primeiro verso da terceira sílaba. Também no décimo segundo verso, na terceira e sétima sílaba.
A preferência pelas formas fixas, neste caso, o soneto, e uma grande preocupação com a métrica, faz identificar em Cruz e Sousa características nítidas do Parnasianismo, uma vez que o poeta fazia com maestria a métrica.
Para conseguir musicalidade, cadência, efeitos de harmonia, o poeta fazia cair na sexta pausa a sílaba tônica de uma palavra esdrúxula, ou seja, uma proparoxítona, colocada estrategicamente em um verso heroico.
Em Música Misteriosa fica claro o jogo de palavra entre música e poesia, inseparáveis. Com a evolução natural dos artistas, cada qual segue seu estilo, porém o espírito humano não distingue esses dois elementos separados. A poesia e a música fazem essa ligação do mundo interior com o exterior.
O Simbolismo é a escola da musicalidade e a poesia é a arte dos sentidos.

(v.) leia-se: verso

Sandra Puff





quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O Mágico de Oz - Adaptação


Alguém algum dia já ouviu falar do romance de L.Frank Baum, autor de The Wonderful Wizard of Oz [1900], traduzido, O Mágico de Oz, que teve sua primeira adaptação para o cinema em 1939, até hoje a adaptação é invencível, uma vez que o romance já teve muitas releituras, dentre tantas, impossível esquecer da protagonista Judy Garland, que interpretou Dorothy Gale, a DG.

A Disney já contratou o diretor Sam Raimi, o mesmo de Homem-Aranha, para esta adaptação que tem o título Oz: the Great and Powerful, ficou explícito que o roteiro está enraizado na história, dessa vez, do próprio mágico do mundo de Oz. Pouco se faz menção à Dorothy. Agora, o que eu queria ver mesmo é esse filme sendo dirigido pelo Guilhermo del Toro, de Labirinto do Fauno, ai sim!, pois além de diretor é ótimo roteirista e vez e outra produtor.
A raiz mãe da problemática do filme, ou seja, do plot ou do enredo fica no desdobramento da origem do mágico, de onde ele vem, o que faz, como chegou em Oz.
Para fazer o mágico já foi cogitado e descartado Johnny Depp e Robert Downey, Jr., descartados ou que descartaram a película, não se sabe ao certo. O certo é que ficou o papel para James Franco [127 Horas], eu até gosto da ideia, é um ator versátil.


Já para a escolha das bruxas Glinda, Evanora e Theodora, a briga foi grande, e chegaram ao denominador: Michelle Willians [Ilha do Medo] será Glinda.

Rachel Weiz [ Fonte de Vida] fará Evanora.
  
e Mila Kunis [ Cisne Negro], Theodora.

Gostei de todas, são atrizes maravilhosas e lindas, cogitou-se em uma das bruxas a interpretação de Julia Roberts, mas nada concreto, se fosse o papel para ela não cairia bem. Acertaram na mão.
O que não se fala é em Dorothy, seria uma incógnita?, será que DG não aparecerá mesmo no filme?, nada se sabe até o momento.
As filmagens já começaram e a Disney definiu uma data: 08 de março de 2013, longe, não é?, então vale as especulações!, e tudo pode mudar!

Sandra Puff