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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Na Piscina


Poniente - 2001 Fabio Hurtado

Em dias de sol a piscina fica cheia. O casal pacífico entreolhando-se, a menina que salta em mergulho perfeito e lá no fundo nada perto dos azulejos e encosta vez ou outra as mãos na cerâmica lisa.
Os velhos sentados na beirada pondo os pés na água fria que energizava e suas mulheres corajosas com seus maiôs sorridentes estão dentro da água fazendo frescurinhas de - ai, ui, - não molhem nossos cabelos!
Nesse meio estava até um candidato a matemático no futuro. Conta todos os golfinhos em tom azul petróleo nos azulejos turquesa destacando a borda da piscina.
Um moço solitário deitado esquentando a barriga na pedra São Tomé, cuidadosamente, ele observa a moça de biquíni verde[...],verde clorofila. Ela, nem tão bronzeada assim, sai da água e deita-se na toalha. Em princípio sente frio, mas a pedra quente é boa companhia.
Minúsculas gotas deslocam-se da coluna e vão descendo rente às costelas. O rapaz percebe que ela está arrepiada, e agora já parece mais bronzeada do que antes, pois ele vê a marca do biquíni desamarrado nas costas em contraste com a pele clara. Os cabelos que antes pareciam muito escuros refletem nuances douradas, acobreadas. Os olhos dela combinam com tudo isso, com a pele, com o verde do biquíni, do azul da piscina e azul do dia.
O rapaz levanta-se um pouco e senta-se mais próximo dela atraído por um cheiro bom, mas ainda não decifrado. Enquanto isso alguns mergulham, outros se distraem com seus drinks e outros mais, simplesmente, observam sem ver os detalhes.
Uma mosca ousada passeia sobre a guria que fica indiferente, ou melhor, até gosta dos movimentos das patinhas do inseto, ou quem sabe da minúscula língua lambendo as gotículas de água.
Deliberadamente o rapaz pensa em como aquilo é possivel!, afinal é uma mosca - bicho nojento!
Indignado..., talvez por não ser um inseto ele continua a olhar. E o sol revelou pelos louros nos braços, nas pernas e tudo ficou mais bonito.
De súbito, a moça vira, senta, levanta o olhar para o rapaz e sorri. Pensa um pouco e logo mergulha. Todos os coloridos foram embora, pensa ele. Mas, ela volta e sabe que ele a espera. Deita de ventre para cima e as gotas, agora, escorrem em atração para a mesma direção e vão parar dentro de um umbigo quase raso. E o sol cumpre seu papel e seca o corpo que, sutilmente, realça as cores e os pelos retornam dourados.
Mas a mosca volta para terror do rapaz e, ora sobrevoa, ora baila nas bordas do umbigo. Único lugar que ainda parece ter água.

Sandra Puff

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Sarau das Bruxas


Sarau das Bruxas


Salve! Franklin Cascaes



Chá de Erva Cidreira, Chá de Camomila, Capim Limão, - Tudo isso é para ficar bonita, - desintoxica, acalma a pele, acaba com as olheiras. – E tudo isso é para hoje à noite. Vamos ter um Sarau, - Sempre gostei de sarau, de ver, não declamar, apenas ver. Mas, voltando aos chás, sei tudo sobre isso, para que servem, em que momento tomá-los, em que momento servi-los. Ser uma conhecedora da flora há um bom tempo poderia ser tão perigoso quando tomar Chá de Beladona ou ingerir Láudano.
Colha pétalas de rosa vermelha e faça um chá suave e adicione um pouquinho de açúcar. Este é para beber. Mas se quiser ter cabelos bonitos, faça o mesmo, um pouquinho mais forte e sem açúcar. Depois dos cabelos lavados derrame o chá de rosas vermelhas e deixe secar naturalmente. Se desejar cabelos mais bonitos ainda, adicione pétalas de rosa branca. Isto era segredo, fiz hoje, vou a um sarau. Fiquei sabendo que muita gente vai. Algumas amigas minhas que se dizem amigas vão também.
Você já reparou as diferenças entre borboletas e mariposas? As borboletas são diurnas, conhecem as flores, a fauna, são delicadas, voam para onde desejarem. Espalham cor, pó de prata, colorido, ou podia dizer pó de asas de borboletas para os olhos...enfeites.
As mariposas são noturnas, conhecem muito bem a fauna, só sabem o colorido das flores pelo odor que elas exalam, de uma certa maneira também são delicadas, voam pela noite acompanhadas pela luz da Lua. Suas asas são formadas por pequeninas escamas de cores apagadas, acinzentadas, parecendo uma espécie de “casaquinho de pele” para mariposas. Elas não sabem, mas são a própria sombra das bruxas que pelo dia andam na pele de mulheres bonitas. A verdade é que detestam suas imagens, sejam de si ou das amigas mariposas/bruxas.
Noite de Sarau!, durante o dia as borboletas consumiram algumas seivas de flores, bateram asas espalhando um pouco de pó. Às vezes o mínimo é o bastante. Suavemente coloridas e básicas foram convidadas para o sarau. E as mariposas também vão!, É claro que irão com seus velhos casaquinhos de pele acinzentados. Mariposas de todas as espécies, quase sem nenhuma cor, estarão lá. Diz algumas lendas que antes de irem ao sarau passam nas casas de recém-nascidos que ainda não foram batizados. Entram sorrateiras por alguma frestinha, uma janelinha descuidadamente aberta e no menor dos descuidos estão perto do bercinho a observar o bebê, que de tão assustado com a aparência que tomam as mariposas não param de chorar. Enquanto não aniquilam os pequeninos, não desistem. Algumas mães precavidas colocam tesouras abertas debaixo dos travesseiros para espantá-las. Colocam também alhos, figas, patuás...- para ajudar um pouco mais. Caso uma mãe desprevenida não faça isso, -ai!, o mal está feito – vão ao sarau/sabbath festejar. De que maneira as mariposas/bruxas festejam seria muito importuno falar.
Chegado o sarau!, a Borboleta-Coruja está lá. Conhecida também como borboleta Olho-de-Boi, Azulão ou cientificamente falando, “Calígulos”, ou só Caligo. Diz-se que é um homem que foi embruxado na borboleta. Chega a noite e espertamente abre suas asas e coloca-se de cabeça para baixo dando a impressão de ser uma coruja com seus falsos olhos arregalados muito atento aos movimentos da noite. De súbito, volta à forma humana!
O sarau começou, gargalhadas e uivos vindos do noturno só assustam aqueles que não tem mãos dadas com os ritos. Mulheres em pele de borboleta, bruxas em pele de mariposas e o homem bonito a declamar poesias insípidas. A escuridão e o desconhecido chegam abraçados. Todos perdem suas consciências.
Chá de Anis Estrelado, Baunilha, Flor de Laranjeira, pétalas de Flor de Boa Noite...para um Bom Dia!


Sandra Puff






segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Os Seus Olhos e a Cauda de Peixe

Atravessou a rua e nada mais poderia ser feito. Era a hora de sua internação no pequeno hospital psiquiátrico da grande cidade. Na bolsa miúda muita confusão de papéis, mas teria que achar os principais, aqueles que lhe dariam o direito de assistência à saúde pública. Achou o cartão contendo a autorização para a internação.
Ria sozinha, era tão inteligente, havia estudado, praticamente, a vida inteira, não fosse as interrupções forçadas para descanso no velho e conhecido hospital. Foram três vezes. Aos 16...21...25...ela estava com 28 anos e ainda não casara, aliás, quase casou. Um médico, oftalmologista, bem apresentável. Um tanto tímido, mas compreensível até o dia do terceiro internamento. Ele não podia entender, que por fora e por dentro sua noiva parecia tão sadia, mas alguma coisinha nas sinapses de seu cérebro disparava as conexões entre ser e estar saudável na medida que um médico de verdade gosta. Ela não era verdadeiramente a humana perfeita como queria ele. Abandonou-a. Fosse o que fosse é perfeitamente normal que um médico queira que seus semelhantes alcancem certo grau de perfeição, assim pensam alguns.
Mas, assim como as ondas da praia que vem e vão, o destino lhe colocara uma lua forte que mexia com a força das marés, então a onda vinha. Simplesmente vinha e com ela trazia o desequilíbrio tão indesejado.
Mesmo abandonada, tratada, civilizada ela continuava a guardar na caixa o vestido perfeito para o casamento que talvez nunca viesse a acontecer. Era assim, branco gelo, corte reto, miçangas eram as pétalas de bordados em flor junto de um miolo pérola. Forro de cetim perolado e por cima uma fina e translúcida camada de tule cristal. Nunca sairia da moda, o romantismo nunca sai de moda, pensava ela.
O vestido assim dobrado na caixa fazia parecer uma cauda de peixe com suas escamas cintilantes que iriam amarrotando-se e rachando com o tempo. Mas a onda estava chegando com força total e talvez alcançasse um pedaço da areia onde antes nunca havia chegado. Gostaria ela de ser mesmo um peixe e desaparecer na tormenta. Seria a glória da loucura!, mas não, - não, pensava ela. O mar tem seus momentos calmos e lúdicos, daria um tempo e, de certa forma, a deixaria em paz.
Ao menos naquele dia.

Sandra Puff

domingo, 11 de setembro de 2011

Essa Sanidade que nos faz Loucos

Um dos últimos manicômios que ainda restava, abrigava dois loucos que, numa remota convivência fora deste local, se amaram um dia...
_ Tu eras louca, louquinha das ideias e ações...
_ É, eu sei disso faz tempo! Tu adoravas repetir isto sempre, lembrar da minha loucura. E você, hein, já caiu em si que vivemos em um manicômio, já parou para pensar que não é visita?
_ Eu sei...tu lembras disso toda hora!
_ Oras...a vida toda era você quem acusava primeiro, veja só, você! Eu lembro daqueles tempos, a tua repetição...que não só eu era doente da cabeça como também do físico, lembra? Fazia questão de dizer que da minha cabeça saiam borboletinhas dançantes.
Os dois juntos, mas sempre solitários dos outros, sentados naquele banquinho de madeira no meio do pobre jardim a observar besouros cuidadosos escondendo-se na terra.
Suas roupas simples. Brancas meio amareladas. Bocas rachadas, secas, chinelos nos pés de ambos. Os cabelos que um dia fora sedosos, hoje secos, sem corte. As mãos entrelaçadas, às vezes um ou outro jogava a cabeça para trás, fechava os olhos e respirava profundamente. De alguma maneira eram livres.
Tudo era tão simples, agora, tão humildes um com o outro. Loucamente eram gestos de amor.
Num cantinho daquele jardim quase sem flor, ele parte o caule de uma florzinha e coloca no cabelo dela, que ri descompromissada. Era tudo o que queria quando sua loucura ainda não era tratada. Mas, claro que o tratamento, aqueles remédios-venenos, agora, mascaravam os desejos loucos. Os dois!, é, os dois agora eram comedidos, ternos, agiam como românticos.
Eles passavam os dias assim: alimentação simples e para o banho água quase fria e sabão [água fria fazia parte do tratamento]. Roupas simples, sempre as mesmas.
Alimentados e asseados dirigiam-se para seus quartinhos sem nenhuma decoração, a não ser o copo de vidro com uma Hortência dentro acompanhada de joaninhas assustadas.
Na cabeceira da cama havia um livro, cada um tinha o seu e sempre que um terminava de ler pedia o do outro emprestado. Sempre as mesmas atitudes e os mesmos livros [mas isso era para que não esquecessem que amavam a leitura]. Ao dormir, cada um pensava no que havia feito naquele dia, [embora que não houvesse muita coisa a fazer, ou sempre as mesmas coisas] e pela manhã contavam um ao outro.
Sonhos, devaneios, pesadelos, delírios, assim é a noite, às vezes calma, outras em eclipse total.[ZZZZzzzzZZZ!!!!*$*!!!!zzzzzzzzzzz]
Novamente no jardim os mesmos gestos, tudo sempre igual...Mas os olhares não! Eram olhos coloridos que não haviam enlouquecido, que não lhe faltavam as lembranças das coisas passadas. Eram olhos que se olhavam e se perdiam dentro de cada um e que ainda enxergavam a beleza da alma.
Era o que restava!


segunda-feira, 25 de julho de 2011

Sobre uma Pintura...


[O quadro acima é de minha autoria,  do tempo em que eu pintava com tinta óleo, esta tela que me inspirou está com minha irmã. Esse conto ganhou o primeiro lugar em um concurso realizado em todas as Escolas Catarinenses].

Sobre uma pintura...
O quadro na parede me levava a crer que os dons artísticos de uma pessoa, não são meramente artísticos, ou mais que isso, na filosofia do dom, é o que vem conosco. Uma herança? De qual geração?[ou vida?].
O fundo azul profundo. Que mergulho no inconsciente. Que salto no escuro! Da imensidão das galáxias, quero alçar voo por onde desconheço, mergulhar onde estamos tranquilos. Só eu e o azul, o imenso, onde minha voz produz ecos. Porque na textura da tela, pode ser sim considerado elevações de nossos altos e baixos.
Caio numa forma cônica, com seus brancos sujos, amarelado, um quê certo de ser Nápoles, e ainda a luz maior me indica a suavidade do toque. É flor, e no miolo vejo um único pistilo e, entranhado de aspereza, fez-me lembrar as terras secas, estéreis, mas que na formosura separa-se completamente, pois este tem vida.
Reconheço a Sombra Natural, um pouco de Terra de Siena... Tá ficando frio aqui, um vento gelado sopra meus cabelos, o ar fica seco. Preciso me envolver na suavidade da seiva que está naquele Verde Vessi, pois assim trarei de volta a umidade tão necessária quanto uma chuva em dias de verão.
Olho tudo, a imensidão das folhagens, das estruturas gigantes cônicas, umas fechadas. Posso até visualizar o movimento da abertura do botão transformando-se na flor. Parece uma borboleta que acabou de abrir suas asas. É o nascer.
Com tanto agito, movimento, o calor das cores todas misturadas, trouxe-me agora um certo desejo de mergulhar naquele vaso, um aquário translúcido. Agora sim começa a exploração. A água tão transparente mistura-se com raios solares e confunde as cores.
Segundos antes, texturas desérticas, agora refrescada aquaticamente e decifrando os tons, brincando com as formas que meus cabelos desenham. Nos raios de sol, nas gotinhas da parede, o prisma iluminando o ambiente, - Carmim Alizarim, muito quente!!!, - Magenta, um pouco mais suave, - Azul da Prússia, ufa! Equilibrando o ambiente, voltando ao natural ao deparar-me com uns matizes um pouco mais diluídos.
Depois de uns mergulhos hora de caminhar um pouco, secar minhas roupas. Quem sabe andar sobre as folhas? Em seus veios há muitas direções a tomar, muito que decidir.
O relógio dispara seus ponteiros, devo ter me ausentado horas!, E como era conhecedora daquele quadro. Por um momento acreditei que estava fora muito tempo, mas quando voltei a mim, passaram-se só cinco minutos..., E o quadro...? Havia pintado eu mesma, cerca de um ano e meio atrás. Esta tela., a qual eu chamava Copos-de-Leite.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

A Companhia


O porta-retrato, o vaso de flor.
Estranhamente sentada em um lugar que não era o dela, como o de costume, aos pouquinhos ia tomando café na xícara que era para ser de presente de Natal para alguém de sua família. O desenho era natalino, a cor vermelha, o azul noite e os pontinhos luminosos brancos caindo e deixando o chão neve. Parecia estar frio ali, mas o café quentinho tirava a ideia do frio, até da solidão.
A segurança sempre fora ponto essencial na vida. O estranho sentimento de estar sendo sempre observada, muitas vezes a incomodava, outras não.
Estava com uma certa tontura, talvez o cansaço, ou a ansiedade. Embrenhava-se em pensamentos de querer ser completamente alguém que habitava seu ser. Sim, este ser quase sempre era observador, inquieto, relutante... Mas, hoje estava apenas confuso. Assim como era olhar para a toalha de mesa toda quadriculadinha em preto e branco.
Pensava como aqueles quadrados, unidos lado a lado, ora eram a mistura de todas as cores, ora eram a ausência delas. E a toalha fazia-se longa e descia pela mesa e seus quadrados unidos, sempre solidários.
As cadeiras eram seis, formavam pares. E as pessoas imaginadamente ali sentadas? Formavam pares também.
Essencialmente tudo ali formava pares - os quadrados, as cadeiras, as pessoas. Mas, a mesa não! Aquele retângulo a acolhia, fazia-se necessário, era uma companhia.
De súbito, as paredes ficaram enormes, e o chão era quadriculado e também formava pares.

A Noz vista como Nós


Uma noz é como um cérebro, por que não estudá-la? Talvez todos os mistérios da vida estejam bem pertinho de nós.
Parte a casca, a calota craniana, da noz. Vê? Dois hemisférios com suas reentrâncias, veios, partes. – Vejo o cordão neural. Viro a noz e admiro a partezinha onde se encontra o cerebelo. Aí está! – Tenho o cérebro em minhas mãos. Posso decifrá-lo! De punho fechado, estou seguro. Presente, passado e futuro a mim pertencem.
Meu desejo é fatiar a noz, fico racional. Cada parte para o seu devido sentimento. Escolho para a dor um pedaço bem pequenino, afinal, se ela deve existir, que seja só em doses homeopáticas. A parte da razão?, parece estar maior do que deveria.
A certeza! Essa faço questão que seja a maior. A esperança subsequente. Paz, caridade, perdão. Deixo uma parte logo para o amor , gratidão, respeito.
Sobram fragmentos pequenos para os sentimentos ruins. Acho melhor deste jeito. Infelizmente eles ainda existem, mas que sejam os ínfimos.
Como disse, o da razão é de bom tamanho. Cá estou dividindo, somando e achando que tudo pode ser racional. Ou real?