Atravessou a rua e nada mais poderia ser feito. Era a hora de sua internação no pequeno hospital psiquiátrico da grande cidade. Na bolsa miúda muita confusão de papéis, mas teria que achar os principais, aqueles que lhe dariam o direito de assistência à saúde pública. Achou o cartão contendo a autorização para a internação.
Ria sozinha, era tão inteligente, havia estudado, praticamente, a vida inteira, não fosse as interrupções forçadas para descanso no velho e conhecido hospital. Foram três vezes. Aos 16...21...25...ela estava com 28 anos e ainda não casara, aliás, quase casou. Um médico, oftalmologista, bem apresentável. Um tanto tímido, mas compreensível até o dia do terceiro internamento. Ele não podia entender, que por fora e por dentro sua noiva parecia tão sadia, mas alguma coisinha nas sinapses de seu cérebro disparava as conexões entre ser e estar saudável na medida que um médico de verdade gosta. Ela não era verdadeiramente a humana perfeita como queria ele. Abandonou-a. Fosse o que fosse é perfeitamente normal que um médico queira que seus semelhantes alcancem certo grau de perfeição, assim pensam alguns.
Mas, assim como as ondas da praia que vem e vão, o destino lhe colocara uma lua forte que mexia com a força das marés, então a onda vinha. Simplesmente vinha e com ela trazia o desequilíbrio tão indesejado.
Mesmo abandonada, tratada, civilizada ela continuava a guardar na caixa o vestido perfeito para o casamento que talvez nunca viesse a acontecer. Era assim, branco gelo, corte reto, miçangas eram as pétalas de bordados em flor junto de um miolo pérola. Forro de cetim perolado e por cima uma fina e translúcida camada de tule cristal. Nunca sairia da moda, o romantismo nunca sai de moda, pensava ela.
O vestido assim dobrado na caixa fazia parecer uma cauda de peixe com suas escamas cintilantes que iriam amarrotando-se e rachando com o tempo. Mas a onda estava chegando com força total e talvez alcançasse um pedaço da areia onde antes nunca havia chegado. Gostaria ela de ser mesmo um peixe e desaparecer na tormenta. Seria a glória da loucura!, mas não, - não, pensava ela. O mar tem seus momentos calmos e lúdicos, daria um tempo e, de certa forma, a deixaria em paz.
Ao menos naquele dia.
Sandra Puff